'Este decreto é falho': presidente da Acemi anuncia ação judicial contra novo modelo de saúde instituído pelo Ministério da Saúde via decreto

Em 30 de julho, o Governo Nacional editou o Decreto 0858 de 2025, que abre caminho para o modelo de saúde preventiva e preditiva que havia sido incluído na reforma fracassada, atualmente paralisada na Sétima Comissão do Senado. A regulamentação estabelece mudanças importantes no acesso dos cidadãos ao sistema, prioriza a atenção primária a partir dos territórios e redefine as funções de atores-chave, como as Entidades de Promoção da Saúde (EPS), que agora devem ser articuladas com os centros territoriais de atenção e as redes integradas de serviços definidas pelas secretarias de saúde.
Embora o governo insista que este decreto não substitui a reforma e que continuará a pressioná-la no Congresso, especialistas do setor acreditam que ele representa uma transformação fundamental que modifica o modelo de seguro estabelecido por lei.

O Governo altera o funcionamento do EPS através do Decreto 0858. Foto: EL TIEMPO
Em entrevista ao EL TIEMPO, Ana María Vesga, presidente executiva da Acemi — o sindicato que representa a EPS — afirmou enfaticamente que o decreto é ilegal e que o sindicato está se preparando para entrar com uma ação judicial. Segundo Vesga, o Ministério da Saúde está usurpando as funções do Congresso ao tentar modificar por meio de regulamentações o que tem status legal, como a atuação das EPS como agentes de seguros.
"O que o governo está fazendo é contornar o Congresso e instituir por decreto um modelo que, de fato, muda o sistema de saúde", alertou. O executivo também criticou o fato de as observações apresentadas durante a consulta pública não terem sido levadas em consideração e alertou para os riscos financeiros que a implementação dessa nova estrutura territorial sem a garantia de recursos adicionais acarretaria.
Quais são as principais generalidades deste decreto? Em que consiste? Basicamente, trata-se de um modelo de saúde que muda a forma como os cidadãos acessam os cuidados. No sistema de seguros, como o conhecemos hoje, que nasceu com a Lei 100, os EPSs são responsáveis pela agência do paciente. Ou seja, representam-no por meio de uma rede que os EPSs contratam e pagam para garantir que a população passe do nível primário para os níveis de média e alta complexidade, fornecendo orientação e acompanhamento ao longo de todo o percurso do cuidado integral.
O que o decreto propõe é uma ruptura com esse modelo legal, atribuindo parte dessas funções a entidades territoriais e Centros de Atenção Primária à Saúde (CPS). Com isso, os colombianos que atualmente estão vinculados a um prestador de serviços de saúde terão que acessar o sistema por meio de um Centro de Atenção Primária por designação, com uma lógica territorial baseada na localização da população. A partir daí, o atendimento é distribuído dentro de uma rede estabelecida pelo Ministério da Saúde. O papel de agência dos prestadores de serviços de saúde se perde. Este é o cerne da reforma e também o cerne deste decreto, com o qual o governo busca implementar uma mudança por meios ilegais: transformar por decreto o que tem força de lei.

Ana María Vesga, presidente da Acemi. Foto de : Acemi
Sim, os EPSs que atualmente desempenham esse papel de agência, de formação e contratação de redes, de encaminhamento e contrarreferência, de gestão do UPC e de pagamento aos prestadores, estão fragmentados entre vários agentes. Todas essas funções têm força de lei, o que significa que só podem ser modificadas por lei. É por isso que o governo iniciou uma reforma no Congresso, uma reforma que não teve o resultado esperado porque não convenceu pacientes, médicos, prestadores de serviços ou seguradoras. O que o governo está fazendo agora com este decreto é anular o poder do Congresso e, de fato, modificar o sistema de saúde.
Quando esse modelo começa a operar? O governo consultou você? O decreto tem um período de transição e implementação de um ano. Foi publicado para consulta pública há cerca de dois meses. Fizemos muitos comentários do sindicato e de outras partes interessadas, mas essas observações não foram levadas em consideração. O decreto foi emitido quase exatamente como estava na consulta.
O governo não poderia ter regulamentado o modelo desde o início sem uma reforma? Muitas das coisas que o governo disse já existem no modelo atual e exigem regulamentação, desenvolvimento e fortalecimento. Desde o início, muitas partes interessadas disseram que, mais do que uma reforma, o que é necessário é uma evolução na regulamentação. Mas, como se trata de uma discussão política e não técnica, pretendia-se que fosse processada como lei. Diante da impossibilidade de obter aprovação para essa reforma, o governo está recorrendo a um decreto para estabelecer um modelo que contraria as regulamentações com força de lei. Eles estão equivocados nisso, pois estão se expondo a uma ação judicial de anulação devido a uma clara violação do sistema legal.

Ana María Vesga, CEO da Acemi. Dezembro de 2024. Foto: Acemi.
Não a substitui, pois outros aspectos permanecem na reforma, como a mudança do nome das EPS (Empresas de Gestão de Saúde e Vida) para Gestoras de Salud y Vida (Empresas de Gestão de Saúde e Vida), entre outros. Mas grande parte do que está incluído na reforma já estava neste decreto.
E como isso afeta as finanças do sistema? Atualmente, o modelo de seguro distribui a UPC (Unidade Uninstitucional de Saúde) para o atendimento, que é administrado pelas EPS (Provedores de Saúde). Esse recurso é insuficiente. O Tribunal Constitucional e a Controladoria Geral da União (CGU) declararam que o sistema apresenta uma taxa de sinistralidade superior a 100%. 110 pesos estão sendo gastos para cada 100 pesos entregues. O decreto propõe que os mesmos recursos do seguro sejam usados para financiar o modelo, incluindo infraestrutura em áreas onde atualmente não há provisão. Isso significa fazer mais com o mesmo dinheiro, em um sistema já subfinanciado.
Isso poderia piorar o déficit financeiro? Sim. O conceito de viabilidade fiscal do Ministério da Fazenda estabelece que essa transformação está sujeita à disponibilidade orçamentária e à saúde do sistema. Atualmente, não há recursos para tal saneamento. O déficit acumulado é próximo a 30 trilhões de pesos. Há dívidas com prestadores de serviços e fornecedores. Estão sendo feitas alterações em recursos não garantidos.
Você vai tomar medidas legais? Alertamos durante a consulta pública que este decreto era falho. Ele modifica artigos da Lei 100 e da Lei 1438, o que não pode ser feito por decreto. É por isso que estamos entrando na Justiça. Estamos avaliando quais serão os primeiros passos.
Você já tem um encontro? Não. Estamos revisando o decreto em detalhes.
Você pode explicar com um exemplo como as coisas mudam para os usuários? Como usuário de um sistema público de saúde (SPS), atualmente recebo atendimento em seu centro de saúde. Eles processam as autorizações com eles e me encaminham com base no nível de complexidade. Quando este decreto entrar em vigor, não irei mais ao meu SPS, mas sim a uma unidade de atenção primária à saúde (UPA). Meus cuidados primários são gerenciados lá, e essa UP, juntamente com o SPS e a rede definida pelo Ministério da Saúde, decide onde recebo atendimento. A interação, que atualmente envolve um único agente, é fragmentada entre vários atores. Isso dificulta e fragmenta o acesso dos cidadãos ao sistema de saúde.
Jornalista de Meio Ambiente e Saúde
eltiempo