Por que tratamos idosos como crianças?

Certo dia, a jornalista especializada em gerontologia Mariana Mello reparou que uma de suas colegas de natação era tratada de forma diferente. “Olha que linda, de maiô!” ou “Muito bem, veio nadar!”, diziam as professoras e recepcionistas do local, quando a aluna chegava para fazer suas atividades. Por alguma razão, era totalmente aceitável e até “fofo” falar desta forma com uma frequentadora de 82 anos, mas não com pessoas mais jovens – exceto as crianças. A intenção nem sempre (ou quase nunca) era das piores, mas ainda assim consistia em uma infantilização de pessoas mais velhas, tendência bastante comum em nossa sociedade.
Você também já deve ter visto ou vivenciado alguma cena parecida, a depender da sua faixa etária. “Usamos diminutivos, interpretamos as expressões de desejo como ‘teimosia’ e desqualificamos as ações dizendo que ‘fizeram arte’ ou que ‘aprontaram’. Isso acontece em todos os espaços sociais: das instituições públicas e privadas à família e rede de apoio”, afirma Mariana, criadora do projeto “Maturidades”.
Sônia Bonetti, 87, do perfil do Avós da Razão, que tem quase meio milhão de seguidores no Instagram, concorda e diz que esse tipo de situação acontece mesmo com frequência. “É comum, principalmente com profissionais de saúde, por exemplo, quando você vai a um hospital”, diz ela. “Eu não sei o que os leva a agir desta maneira. Afinal, não estamos no setor pediátrico. E nem criança gosta de ser tratada como bebezinho, não é?”, acrescenta.
A criadora de conteúdo, que divide o trabalho na página com a amiga Gilda Bandeira de Mello, 83, vai além: “Acho que o fato de ostentarmos cabelos brancos induz as pessoas a nos tratarem como se tivéssemos alguma deficiência”. Mas Sonia entende que não é uma questão de desrespeito. “Pelo contrário: às vezes, a pessoa quer demonstrar carinho. Outras vezes, até pena”, destaca.
Vamos falar sobre envelhecer?Para Mariana, tratar pessoas mais velhas como se fossem crianças reflete o desconhecimento sobre princípios básicos do envelhecimento do ponto de vista social. “Por não termos uma educação a respeito de fragilidades e dependências, aspectos inerentes à condição humana e que apenas se manifestam com maior intensidade na velhice, tendemos a acomodar o sujeito velho na mesma caixinha das crianças”, avalia.
A especialista aponta que, de forma paradoxal, o assunto do envelhecimento é muito novo no Brasil. “Estamos engatinhando no debate”, diz Mariana. “Há pouco tempo, era aceitável usar termos como ‘deficiente’, para se referir a pessoas neurodiversas; ou ‘sapatão’ e ‘bicha’ para pessoas homoafetivas. Ainda aceitamos que se fale ‘velhinho’ ou ‘idosinho’, sem que ninguém se ofenda. Mas à medida que aprendermos mais sobre envelhecimento do ponto de vista social, isso deve mudar”, aponta.
E não tem idade para que isso comece a acontecer, viu? Como as pessoas envelhecem de formas diversas, que podem mudar de acordo com condições sociais, econômicas, psíquicas, história de vida, a forma com que chegamos à maturidade também é diferente para cada um. “O tratamento infantilizado geralmente inicia quando se notam as expressões de fragilidade – física e mental – no indivíduo: dificuldade para realizar atividades básicas e instrumentais de vida diária, perda de independência, confusão, esquecimento. É nesse momento que familiares assumem o controle sobre a pessoa idosa, desempoderando-a. A forma mais eficaz de fazer isso é tratá-la como criança”, argumenta a especialista.
De fato, lidar com uma pessoa como se ela fosse incapaz ou mesmo como um bebê pode transformar ou, em alguns casos, reforçar a visão que a pessoa tem de si mesma. “Quando se trata de alguém que gosta de se vitimizar, esse tipo de tratamento induz essa pessoa a se achar mesmo uma coitada”, afirma Sônia, do Avós da Razão.
É claro que existem situações específicas, em que os idosos precisam de mais atenção e até de restrições. Quando há perdas cognitivas consideráveis, é possível que outros membros da família precisem assumir alguns cuidados, como não deixar mais que a pessoa dirija, saia sozinha ou que permaneça sem supervisão em certas atividades. Fora isso, é preciso lembrar que quanto mais a pessoa for tratada como criança, mais frágil e incapaz ela se sentirá. “É uma bola de neve, ruim para todo mundo – principalmente para ela”, ressalta a jornalista especializada em gerontologia Mariana.
Idosos são adultos – e ponto!Nem sempre é um problema usar um diminutivo para chamar um avô, uma avó ou qualquer outra pessoa com quem se tenha vínculos afetivos, desde que a pessoa goste. “O problema do diminutivo está no seu uso por estranhos: um profissional de saúde, um motorista de carro de aplicativo, uma atendente de uma loja ou qualquer outra pessoa”, avalia Mariana. Como falar com carinho com um idoso sem ofendê-lo então?
“A regra que uso para mim é me perguntar o seguinte: Tenho intimidade para usar diminutivo? A pessoa em questão gosta de ser tratada assim?”. Para ela, a principal dica é simples e consiste em tratar a pessoa idosa como trataria qualquer pessoa adulta. “Me relaciono com muitas pessoas bem mais velhas do que eu, na faixa dos 80, 90 anos. Costumo perguntar: devo chamar você de “senhor”/”senhora”? Até hoje, todo mundo respondeu a mesma coisa: me chame pelo meu nome”, diz.
Sônia é um exemplo disso. “O idoso gosta de ser tratado como um ser normal, de igual para igual, sem nenhuma demonstração de preconceito. Às vezes, até o fato de querer ajudar demonstra esse preconceito. Ajude o velho só quando ele pedir”, conclui.
IstoÉ