Ex-secretários de Saúde de Sergipe são cobrados a devolver R$ 45 milhões por ‘sumiço’ de verbas do Samu

Dois ex-secretários de Saúde de Sergipe foram notificados a devolver, juntos, quase 45 milhões de reais pelo ‘sumiço’ de recursos federais destinados ao Serviço de Atendimento em Unidade Móvel, o Samu, no estado. A cobrança é resultado de auditoria que constatou o desaparecimento das verbas, revelada por CartaCapital em abril do ano passado.
A cobrança envolve repasses milionários realizados entre janeiro de 2022 — durante a gestão de Belivaldo Chagas (Podemos) — e setembro de 2023, já sob o governo de Fábio Mitidieri (PSD).
Foram pouco mais de 20 milhões de reais transferidos durante todo o ano de 2022, quando a secretaria estadual de Saúde estava sob responsabilidade da enfermeira Mércia Feitosa, e outros 14,6 milhões recebidos até setembro de 2023 – no período, o secretário era o médico Walter Pinheiro, que deixou a pasta em agosto de 2024. Hoje, o chefe da SES é Cláudio Mitidieri, primo do governador.
Embora os valores originalmente repassados somem cerca de 34 milhões de reais, o montante exigido é maior devido a juros e correções monetárias aplicadas pela demora na devolução.
Criado há duas décadas, o SAMU é um serviço de atendimento de urgência que funciona 24 horas e integra o rol de Ações e Serviços Públicos de Saúde. No estado, o programa possui uma central em Aracaju e bases descentralizadas em trinta municípios. O financiamento é tripartite – a União entra com 50% dos investimentos, estados e municípios ficam com 25% cada. Depois que o dinheiro cai na conta, cabe ao governo estadual administrá-lo e prestar contas sobre como ele foi gasto.
Mas o pente-fino do DenaSUS, órgão que atua junto na fiscalização do dinheiro repassado a estados e municípios para a manutenção do SUS, identificou que o governo sergipano não conseguiu informar onde foram parar as verbas enviadas ao Samu. A justificativa apresentada foi a utilização de uma conta única para todos os pagamentos da rede estadual, o que impossibilitaria a geração de extratos bancários ou relatórios contábeis específicos do programa.
Implicados. Os ex-secretários de Saúde de Sergipe, Mércia Feitosa (à esquerda) e Walter Pinheiro (à direita) – Divulgação/Coren Sergipe/Mário Sousa/Governo de Sergipe
Quando o caso veio à tona, a secretaria estadual de Saúde alegou ter enviado os comprovantes solicitados. “Naquele momento, não foi possível fornecer os extratos de forma individualizada, uma vez que os recursos financeiros são depositados em uma conta única, conforme o que determina a Portaria nº 3992/17”, justificou a pasta, à época. Ainda assim, os documentos apresentados não comprovaram o uso dos recursos, e a área técnica do DenaSUS manteve a recomendação de devolução integral do montante.
A cobrança do valor indicado, determina um acórdão do Tribunal de Contas da União, deve ser feita diretamente aos gestores supostamente responsáveis pelo dano constatado na auditoria. O TCU considera que o secretário tem a obrigação de devolver os recursos porque “nessas situações, não há evidências de que eles tenham sido aplicados em prol de alguma finalidade pública”.
Com base nesse entendimento, Feitosa foi notificada a devolver 26,9 milhões de reais, e Pinheiro, 17,8 milhões de reais. Os ofícios com a cobrança foram assinados em maio por Mozart Sales, secretário de Atenção Especializada à Saúde, e Ewerton Marques, coordenador-geral de Planejamento, Orçamento e Monitoramento da Execução Financeira do Ministério da Saúde. O prazo para ressarcimento era de 10 dias.
A reportagem apurou que, até o momento, os débitos não foram quitados. Os documentos enviados aos ex-secretários alertam que, caso não haja a devolução, eles podem ser alvos de uma Tomada de Contas Especial pelo TCU, com possível ação judicial e inscrição dos nomes no CADIN, um banco de devedores do governo federal – isso restringiria o acesso a crédito e financiamentos, por exemplo.
Em resposta à notificação, Feitosa solicitou ao Ministério da Saúde, em 16 de julho, um prazo adicional de 30 dias para apresentar os “documentos e esclarecimentos requisitados”, alegando não estar mais no comando da pasta e depender de informações da atual gestão. O pedido foi aceito.
Procurado por CartaCapital, Pinheiro afirmou que o processo “segue em fase de diligências” desde abril, com apenas um dos 22 apontamentos da auditoria ainda “em análise e dentro do prazo”. Já Feitosa considerou a notificação “antecipada”.
CartaCapital