O sistema de saúde se deteriorou durante o governo do presidente Gustavo Petro? É o que dizem os dados.

Antes de 2022, o sistema de saúde colombiano enfrentava diversos desafios a serem superados. Entre eles, problemas de eficiência e gestão de recursos; cobertura deficiente em áreas rurais e remotas; barreiras administrativas que dificultavam o acesso ao direito à saúde; e dívidas acumuladas desde a pandemia. Mesmo assim, o sistema de saúde e previdência social do país era considerado um exemplo global por sua cobertura de quase toda a população, seu plano de benefícios abrangente – que inclui terapias financiadas publicamente – e seus custos diretos extremamente baixos em comparação com outros países da região e do mundo.
Ao contrário de outras nações, na Colômbia, milhares de pessoas ficaram hospitalizadas por semanas, até meses, durante a pandemia de COVID-19 e deixaram os hospitais sem grandes dívidas. Aqueles que sofriam de doenças crônicas como câncer, independentemente do estágio da doença, foram tratados em algumas das melhores clínicas da América Latina por alguns dos principais especialistas do mundo. Gestores farmacêuticos e outras partes interessadas entregaram medicamentos pelo canal institucional, mesmo quando havia claras dificuldades logísticas.
Esses benefícios — poucos em comparação com outros sistemas de saúde ao redor do mundo — permitiram que nosso país fosse reconhecido em rankings internacionais. Em 2021, o Índice de Assistência Médica publicado pela revista especializada Ceoworld classificou a Colômbia em 31º lugar entre 89 sistemas de saúde avaliados em todo o mundo. Um estudo de 2022 da Associação Colombiana de Hospitais e Clínicas (ACHC), que analisou os sistemas de 94 países ao redor do mundo, classificou o nosso em 39º lugar. No mesmo ano, o Índice de Inclusão em Saúde da The Economist nos classificou em 22º lugar entre 40 países avaliados, a maioria deles de alta renda. No entanto, todos esses indicadores se deterioraram.
Em 2024, o índice Ceoworld nos colocou em 81º lugar, enquanto o Índice de Inclusão em Saúde nos colocou em 26º. Embora o ACHC não tenha renovado seu estudo, ele questionou amplamente as condições deterioradas de prestação de serviços de saúde no país e o pagamento a hospitais e clínicas, que vêm se deteriorando e cujos atrasos continuam a crescer. No entanto, essas não são as únicas áreas em que o sistema se deteriorou.

Apesar de suas deficiências, o sistema de saúde colombiano era reconhecido mundialmente. Foto: iStock
Nos últimos oito anos, houve um aumento sustentado no número de casos de PQRS, com um pico notável nos últimos três anos, de acordo com um relatório do Observatório Así Vamos en Salud, que compila dados da Superintendência de Saúde. Em 2017, foram registrados 449.436 casos, enquanto em 2024 o número subiu para 1.604.968, um aumento de mais de 250%. Pela primeira vez na história desses registros, 2024 ultrapassou 1,5 milhão de reclamações, evidenciando um aumento significativo na insatisfação dos cidadãos com o sistema de saúde.
No caso das PQRS (Companhias Públicas de Seguro Saúde) em EPSs intervencionadas, a situação se agrava. Para Nueva EPS e Sanitas, o relatório registra aumentos de 47% e 46%, respectivamente, no número de reclamações após sua intervenção. O mesmo se aplica a outras entidades, como Famisanar, SOS e Emssanar, onde as medidas de controle estatal não conseguiram reduzir a insatisfação dos usuários e, em alguns casos, coincidiram com picos sem precedentes de reclamações.

Atualmente, o governo controla nove seguradoras de saúde por meio da Supersalud (Superintendência de Saúde). Seus indicadores não melhoraram. Foto: Luis Lizarazo García. Arquivo EL TIEMPO
O governo colombiano, por meio da Superintendência de Saúde, controla aproximadamente 60% dos usuários do sistema de saúde por meio das nove operadoras de planos de saúde intervencionadas e de uma operadora sob vigilância especial. Isso significa que mais da metade dos usuários do sistema de saúde colombiano estão sob a gestão ou supervisão direta do governo do presidente Gustavo Petro. Petro insiste que o problema reside na gestão de recursos, mas, após um ano sob o controle dessas operadoras, a situação se agravou.
Por outro lado, dados divulgados pelo Tribunal Constitucional e coletados pelo Observatório Así Vamos en Salud mostram tendências variadas na interposição de medidas protetivas ao longo dos anos. No entanto, no ano passado, houve um aumento significativo no uso de medidas protetivas para garantir o direito à saúde, tanto no número de mecanismos interpostos quanto no número de mecanismos concedidos em diferentes departamentos da Colômbia.
Em 2020, houve um declínio significativo no uso dessa ação legal, seguido por uma recuperação gradual a partir de 2021 e um crescimento sustentado em 2023 e 2024. "Esse aumento sugere maior demanda por esse recurso legal, possivelmente devido a deficiências na prestação de serviços de saúde e à violação de outros direitos fundamentais", acrescenta o relatório.
Em 2024, o número total de tutelas aumentou 34% em relação ao ano anterior. No entanto, analisando a tendência mensal, observam-se aumentos ainda mais pronunciados, como o registrado em abril de 2024, quando o número de tutelas requeridas cresceu 135% em relação ao mesmo mês de 2023.
Somente nos últimos três anos, entre 2022 e 2024, as tutelas aumentaram 69,9%, chegando a 265.552 no ano passado.

Um histórico de reclamações e ações judiciais é um retrato do colapso do sistema de saúde. Foto: MAURICIO MORENO
Esta crise criou uma doença crônica e terminal que deixou o sistema de saúde em tratamento intensivo. A situação se agravou desde que o governo estabeleceu uma taxa inferior à recomendada pelos especialistas para o aumento do UPC (valor pago por usuário), situação que o Tribunal Constitucional ordenou que fosse corrigida.
De fato, o próprio presidente afirmou há dois anos, em entrevista ao jornalista Daniel Coronell, que, se a reforma não fosse aprovada, o sistema de saúde continuaria a se deteriorar e as EPSs entrariam em falência. "Deixei o que está acontecendo acontecer e então 'shh, shh, shh'. É um efeito dominó, e não há necessidade de atrasar os pagamentos. Simplificando, as EPSs entram em falência, e os membros têm que se transferir para as restantes, e esta entra em colapso", disse o presidente quando questionado.
Uma cura que nunca chega? Para especialistas consultados pelo EL TIEMPO, a doença que atualmente sobrecarrega o sistema de saúde exige tratamento urgente, e o remédio mais importante são os recursos, que devem ser injetados para pagar as dívidas cada vez maiores. No entanto, os especialistas concordam que, por enquanto, não há interesse em tratar esta doença.
Fernando Ruiz, ex-ministro da Saúde, alerta que "uma catástrofe foi induzida no sistema de saúde colombiano". O ex-funcionário, que liderou a gestão do sistema durante a pandemia de COVID-19, afirma que chegamos a esse ponto "devido a uma visão destrutiva... de que era preciso gerar uma crise no sistema de saúde". De fato, Ruiz enfatizou que o governo não emitiu os Orçamentos Máximos em 2022 dentro do prazo, apesar de sua administração ter disponibilizado os recursos e um curso de ação claro. "Os recursos foram investidos em outras coisas. Este ano, estamos vindo para cobrir esses déficits quando o sistema já sofreu sérios danos", disse ele.
O ex-ministro afirmou que, em agosto de 2022, o déficit era administrável e que um "plano de resgate" estava em vigor. Além disso, o chamado "acordo de ponto final" havia sido implementado, permitindo o pagamento direto de mais de 8 bilhões de pesos aos hospitais. "Tudo isso foi por água abaixo com o subfinanciamento induzido", observou. Ao final de 2024, segundo a Controladoria, o passivo do EPS atingiu US$ 32,9 bilhões de pesos.

Hoje, o sistema enfrenta uma crise sem precedentes que só piora com o tempo. Foto: Vanexa Romero EL TIEMPO
Em resposta, Augusto Galán, também ex-ministro e diretor do observatório Así Vamos en Salud, afirmou que a profunda deterioração do sistema de saúde colombiano foi motivada por decisões ideológicas, subfinanciamento estrutural e falhas na gestão dos prestadores de saúde intervencionados. "A população em geral sente que seu sistema de saúde se deteriorou, que não está sendo atendido como antes", disse ele, esclarecendo que, embora tenha havido desafios no passado, a situação atual representa um retrocesso significativo.
Um dos sintomas mais evidentes desse colapso, segundo o ex-ministro, é o aumento drástico de solicitações, queixas, reivindicações e tutelas de proteção por parte dos usuários. "Isso se refletiu, do ponto de vista da população, em um aumento muito significativo de tutelas de proteção", afirmou. Ele também denunciou a perda de qualidade dos serviços, especialmente no acesso oportuno, que considera essencial para um atendimento digno.
Mas sua acusação mais grave diz respeito ao subfinanciamento. "Nunca na história recente do país vimos o Tribunal Constitucional tão ativo na proteção do direito fundamental à saúde", explicou, referindo-se a decisões proferidas pelo tribunal superior que, segundo Galán, o governo ignorou ou cumpriu parcialmente, como o recálculo da Unidade de Pagamento Per Capita (UPC).
Para o médico e especialista em saúde pública Luis Jorge Hernández, o mais preocupante é que, enquanto o sistema se deteriora, o governo não demonstra preocupação genuína com a saúde pública. "Sim, este governo deteriorou o sistema de saúde. Há vários indicadores que mostram a deterioração", afirma.
Embora reconheça que o modelo baseado em seguros mistos público-privados tinha falhas, ele insiste que "funcionou". O que aconteceu nos últimos três anos, diz ele, é uma perda progressiva de clareza na gestão do atendimento, além de atrasos sistemáticos nos pagamentos a clínicas, hospitais e profissionais de saúde.
Em sua opinião, uma das falhas mais significativas da atual administração é a gestão da atenção primária à saúde: "Três anos foram perdidos e não se construiu um sistema de atenção primária genuíno, que, aliás, não dependesse da reforma". Segundo ele, as equipes de atenção básica à saúde nos territórios têm sido usadas para fins políticos: "Elas têm mais uma conotação de organizar quadros para as próximas eleições", reclama.
Por sua vez, o ex-superintendente de Saúde, Conrado Gómez, concordou que, embora "o problema subjacente não seja deste governo, também não é o governo que o está resolvendo". Em sua opinião, assim como na de Galán, o foco da discussão política não tem sido o bem-estar dos pacientes, mas sim as estruturas administrativas e financeiras. "Embora muitas pessoas estejam preocupadas com a saúde e se ela está melhorando ou não, não acho que essa seja a preocupação aqui. A preocupação tem se centrado nos recursos e no EPS", refletiu.
Para Gómez, o sistema precisa de ajustes estruturais, não de mais atrasos. "Não podemos continuar assim; temos que resolvê-los. E não sei se este governo tem a capacidade, o apoio ou o poder para se unir em torno deles", expressou ceticismo. O especialista também questiona a viabilidade política da reforma, ainda em discussão no Congresso: "Primeiro, temos que ver se é uma solução ou não. E a outra questão é se ele terá a capacidade de aprovar uma reforma que resolva esses problemas."

Mais de 1,6 milhão de reclamações são o sintoma mais visível da crise sanitária. Foto: Gabinete do Governador do Valle del Cauca
O presidente da Andi, Bruce MacMaster, concorda com essa visão, afirmando claramente que, embora "o sistema venha enfrentando problemas de financiamento há muitos anos", a crise, até os últimos três anos, não havia afetado significativamente o atendimento aos pacientes. "Neste momento, a crise, de natureza financeira, tornou-se uma grave crise humanitária. O sistema é simplesmente incapaz de suportar a pressão que o governo nacional exerce sobre ele", observa MacMaster.
Para ele, "um golpe muito preocupante foi dado ao sistema e à sua capacidade de cuidar dos pacientes", e lidar com essa deterioração exigirá soluções e visões de todas as partes interessadas no sistema, algo que foi tentado no último Fórum de Saúde Andi, realizado há algumas semanas na cidade de Cartagena, onde todas as principais partes interessadas estavam presentes, exceto o governo.
Nesse sentido, Ana María Vesga, presidente do sindicato Acemi EPS, explicou que o sistema de saúde enfrenta atualmente dois grandes problemas: não há acordo técnico sobre o aspecto financeiro, o que implica reconhecer que a UPC é insuficiente e deve ser corrigida; e, em segundo lugar, é preciso atender à realidade de 30 milhões de colombianos atualmente em EPS intervencionados que não viram o serviço melhorar como prometido pelo governo.
“As intervenções não podem ser perpetuadas, e os usuários precisam de segurança e cuidado. A conversa necessária é como oxigenar o sistema com medidas de liquidez imediatas e medidas de longo prazo acompanhadas de duas discussões fundamentais: a adaptação do modelo de seguro privado com mais de 50% da população sob controle estatal e a capacidade do país de entregar o plano de benefícios que temos diante de recursos que sempre serão limitados. Acredito que estamos vivendo o momento mais crítico para o sistema, mas também por isso e porque há muitas lições aprendidas, precisamos ser capazes de abordar essas questões entre todas as partes interessadas. O sistema já mudou; agora é transformar essa mudança em uma oportunidade de melhoria”, afirmou Vesga.
De qualquer forma, o governo do presidente Gustavo Petro é o médico assistente que tem a capacidade de curar o sistema e, até agora, os tratamentos que implementou só pioraram a situação e, consequentemente, afetaram a saúde de milhões de colombianos.
Jornalista de Meio Ambiente e Saúde
eltiempo