Atenção: O Conselho de Estado suspende provisoriamente o decreto com o qual o Governo reformou o sistema de saúde e implementou a reforma de fato.
A Primeira Seção do Conselho de Estado decretou a suspensão provisória dos efeitos do Decreto 0858 de 30 de julho de 2025, expedido pelo Governo Nacional para implementar o chamado Modelo de Saúde Preventivo, Preditivo e Resolutivo , após considerar que o referido ato administrativo excedeu o poder regulamentar do Executivo e violou o princípio da reserva de direito estabelecido na Constituição.
A decisão judicial, proferida pela Câmara Unitária, responde a uma ação de nulidade movida por Andrés Forero, representante do partido Centro Democrático na Câmara dos Deputados, que argumentou que o decreto, ao reformar integralmente a estrutura do sistema de saúde, invadiu atribuições que pertencem exclusivamente ao Congresso da República.
"Mais um revés para Gustavo Petro e Guillermo Alfonso Jaramillo. O Conselho de Estado deferiu meu pedido de medidas cautelares e suspendeu o Decreto 0858 de 2025. É uma boa notícia e um alívio para os colombianos que o 'Plano B', ou reforma da saúde por decreto, tenha estagnado", disse Forero.

Conselho de Estado. Foto de : Jesús Blanquicet
De acordo com a decisão, o Decreto 0858 não se limita a desenvolver aspectos operacionais do sistema de saúde, mas sim " regulamenta de forma abrangente os elementos estruturais do Sistema Único de Saúde da Previdência Social", estabelecendo novos princípios, mecanismos de assistência, distribuição de competências institucionais e redefinindo a governança territorial do setor.
O Conselho de Estado alertou que o regulamento criou entidades e estruturas que substituem as previstas em lei, como as Redes Territoriais Integradas e Integradas de Saúde (RIITS), que deslocam as Entidades de Promoção da Saúde (EPS) de funções que antes lhes eram atribuídas por lei e conferem às entidades territoriais a responsabilidade de organizar e gerir essas redes.
Nos termos da decisão, o decreto impugnado "introduz modificações substanciais ao modelo legal vigente, substituindo o esquema de Redes Integradas de Serviços de Saúde (RISS) por outro completamente diferente, o que constitui uma reforma estrutural do sistema que só pode ser aprovada pelo Congresso Nacional".
Em sua ação, Forero alegou violação dos artigos 150 e 152 da Constituição, argumentando que o decreto regulamenta questões de reserva legal e estatutária, incluindo o direito fundamental à saúde, a estrutura do sistema e a alocação de competências territoriais.
Argumentou ainda que o Poder Executivo não poderia redefinir o modelo territorial de prestação de serviços, nem alterar as regras de seguro, livre contratação ou liberdade de iniciativa no setor da saúde. Por fim, alertou que o Governo omitiu o processo de consulta prévia às comunidades indígenas, apesar de as disposições do decreto afetarem diretamente o funcionamento do Sistema Integrado de Saúde Indígena e Intercultural (SISPI).

Ministro da Saúde, Guillermo Alfonso Jaramillo. Foto de : Sergio Acero - EL TIEMPO
Após analisar os argumentos, o Conselho de Estado concluiu que o decreto “excedeu os limites constitucionais da função reguladora” ao criar um novo modelo de assistência, modificar o papel da EPS e redefinir a distribuição territorial de competências sem intervenção legislativa.
A decisão ressalta que “a configuração e a delimitação do direito à saúde estão sujeitas ao princípio da reserva geral de direito”, por se tratar de serviço público essencial cuja regulamentação cabe exclusivamente ao Congresso Nacional, nos termos dos artigos 49, 150 e 365 da Constituição.
Além disso, o tribunal observou que um projeto de reforma da saúde com conteúdo semelhante ao do Decreto 0858 está atualmente em análise no Congresso, demonstrando que as medidas adotadas pelo governo devem ser debatidas em um ambiente democrático e não impostas por decreto.
Âmbito da medida Com esta decisão, o Conselho de Estado suspende temporariamente a aplicação do Decreto 0858 de 2025 enquanto o processo de anulação estiver em andamento. Na prática, isso significa que o modelo de saúde territorial idealizado pelo Poder Executivo não poderá ser implementado até que uma decisão substantiva seja emitida.
A decisão, que reconhece a personalidade jurídica dos representantes do Ministério da Saúde, Juan Camilo Escallón Rodríguez, e do Presidente, Milton Alexander Dionisio Aguirre, será notificada às partes e poderá ser objeto de recurso. Isso significa que a decisão pode ser revertida.
A medida representa um golpe jurídico ao plano do governo de acelerar a reforma da saúde por via administrativa, após o projeto de lei ter parado no Congresso. O tribunal superior alertou que qualquer transformação estrutural do sistema deve emergir do debate democrático e não do poder regulatório do Executivo.

Andrés Forero, representante do Centro Democrático na Câmara Foto: Sergio Acero / El Tiempo
A iniciativa oficial implementada com o Decreto 0858 e a Resolução 2161 (que regulamentou o funcionamento dos EPS com base no decreto) foi apresentada como uma modernização baseada na prevenção e na atenção primária, e redefiniu a estrutura do sistema ao conceder ao Estado um papel central na coordenação, financiamento e gestão dos serviços.
Mas os alarmes estavam soando: ex-ministros, acadêmicos, associações médicas e representantes de pacientes alertaram que o governo está implementando uma reforma "de fato", sem apoio legislativo ou fiscal, e com implicações que podem colocar em risco o atendimento de milhões de colombianos.
As críticas apontam para três áreas principais: a falta de legalidade, a perda da liberdade de escolha das EPS e a improvisação operacional na reatribuição de membros. Por trás do aparente objetivo de territorializar os seguros, os especialistas veem uma reformulação institucional que transfere poderes para entidades territoriais sem capacidade técnica, reduz o papel das EPS privadas e fortalece a Nueva EPS, a maior entidade mista do país, que atualmente enfrenta sérios problemas financeiros.
Para Diana Cárdenas, ex-diretora da Adres e ex-vice-ministra da Saúde, o Decreto 0858 não só carece de respaldo técnico, como também "apresenta muitas ilegalidades" que comprometem a estabilidade do sistema. "Ele ultrapassa os limites em muitas de suas atribuições. O que precisamos hoje são de mais recursos, e com o Decreto 0858, o que estamos fazendo é agravar os problemas operacionais dos poucos recursos existentes", alerta.
Segundo Cárdenas, o decreto atribui responsabilidades não permitidas por lei, especialmente em funções de seguros. "Ele define aspectos que são abrangidos pela lei ordinária ou mesmo por leis superiores. Isso gera insegurança jurídica para os atores do sistema, que não sabem se as decisões que tomam sob esta regulamentação podem ter consequências jurídicas posteriores", explica.
O ex-vice-ministro afirma que o resultado imediato será o caos operacional. "Em vez de focar em como resolver problemas de acesso ou distribuição de medicamentos, estamos forçando os atores a repensar suas operações territoriais, adicionando complexidade a um sistema já sobrecarregado."
Um dos pontos mais controversos é a realocação de membros entre os EPS sem consulta aos usuários, que — segundo o governo — visa garantir a continuidade do seguro nas novas sub-regiões funcionais. Para Cárdenas, isso implica uma restrição direta ao direito à livre escolha: "A lei não prevê nem informa ao paciente como ele será transferido, nem deixa opções quanto ao local de destino. Essa liberdade de escolha dos cidadãos está sendo restringida, porque não há possibilidade de exercer esse direito."
Cárdenas também questiona a decisão do governo de concentrar mais membros na Nueva EPS, apesar dos seus problemas financeiros e administrativos. "Não é uma boa decisão. A Nueva EPS muda de gestão a cada seis meses; não há estabilidade nem governança corporativa. Tornou-se um reduto do clientelismo. Crescê-la sem resolver a crise só agrava o problema", conclui.

Diana Cárdenas, ex-vice-ministra da Saúde e ex-diretora da Adres. Foto: Adres
A presidente da Acemi, Ana María Vesga, compartilha esses alertas. Em sua análise, o Decreto 0858 e a Resolução 2161 implicam "uma mudança estrutural no modelo de seguro" e afetam diretamente quase três milhões de colombianos, que serão transferidos à força de um EPS para outro.
"Eles perdem a livre escolha que fizeram na época e agora são alocados à força. Não sabemos se o EPS que os recebe garantirá continuidade e qualidade, ou se essa mudança será para melhor. Mas sabemos que representa um risco de interrupções no tratamento e fragmentação estrutural do sistema", afirma.
Para Vesga, o aspecto mais grave é a insegurança jurídica. "O Conselho de Estado está analisando uma ação de anulação com suspensão provisória do decreto e suas resoluções. Constatamos graves falhas de ilegalidade e inconstitucionalidade", afirma.
Embora a resolução estipule que os usuários poderão exercer sua livre escolha 60 dias após a transferência, Vesga acredita que, na prática, isso será inviável. "A reorganização significa que o Estado decidirá qual SEP opera em cada território. Em municípios pequenos, pode haver apenas duas ou três opções e, em muitos casos, o SEP original não estará mais disponível. Então, na prática, a liberdade de escolha desaparece."
Vesga acrescenta que o panorama no Congresso é sombrio. "A reforma não tem votos nem apoio fiscal. O Tesouro já reconheceu que ela não tem recursos. É por isso que o governo recorreu a essa abordagem administrativa, mas sem o apoio legal ou orçamentário necessário", alerta.

Ana María Vesga, presidente da Acemi. Foto de : Acemi
Do ponto de vista dos usuários, a situação também é alarmante. Para Denis Silva, porta-voz da Pacientes Colômbia, o Decreto 0858 "muda a estrutura do sistema por ato administrativo", o que ele considera um precedente grave para as instituições democráticas. "Parece que o Ministério, com um decreto, quer assumir as funções do Congresso. Está modificando o cerne do sistema de saúde sem discussão legislativa. Isso é antidemocrático e arriscado", afirma.
Silva alerta para três efeitos imediatos: aumento das barreiras para os pacientes, perda de direitos e politização do seguro. “As barreiras de acesso aos serviços podem aumentar, especialmente para aqueles que precisam de tratamento contínuo. E parece que a intenção é capitalizar o Nueva EPS com dor e morte, porque é o único com presença nacional e o que mais se beneficiará da reformulação”, ressalta.
Por fim, o especialista em saúde pública Luis Jorge Hernández, professor da Universidade dos Andes, acredita que o governo está extrapolando seus limites ao transformar o modelo operacional do sistema de saúde por decreto. "Transformar o modelo operacional do sistema de saúde de forma tão profunda, incluindo a redefinição do seguro e da territorialização, é uma questão que deveria ser reservada para uma Lei Orgânica ou, pelo menos, uma lei ordinária, e não para um decreto ou resolução", explica.
Para Hernández, as regulamentações recentes representam uma "reforma administrativa" que carece do apoio democrático e técnico que deveria acompanhar uma mudança tão significativa. "Como nenhuma reforma legislativa foi aprovada, essas regulamentações estariam implementando elementos da reforma sem o apoio legislativo necessário", alerta.
O professor também alerta que a implementação da Resolução 2161, que redefine as regiões de seguro e promove transferências forçadas ou voluntárias de membros, pode afetar a continuidade do cuidado: "A mudança do modelo de seguro para um modelo territorial e a realocação forçada ou voluntária de membros entre EPSs gerarão incerteza operacional e descontinuidade no cuidado, especialmente para pacientes com doenças crônicas ou de alto custo que exigem redes especializadas e contínuas."
Soma-se a isso a delegação de funções críticas a estruturas ainda não consolidadas. “Os CAPS e as RIITS (Redes Territoriais Integrais e de Saúde) ainda não possuem a capacidade e a infraestrutura necessárias. Esperar que assumam imediatamente funções críticas de atenção primária e gestão territorial coloca em risco a qualidade e a pontualidade do atendimento”, enfatiza.
Jornalista de Meio Ambiente e Saúde
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